Ao acaso.
Um amontoado de coincidências.
Uma combinação improvável de resultados é o que todos somos. E quem disse que
isso diminui o valor da vida? O milagre que a vida é justifica-se assim. Sem
querer, sem muito pensar, de repente tudo que a gente fez na vida teve alguma
consequência séria no nosso destino. Talvez aquele panfleto que você pegou na
rua e que logo mais na frente foi descartado no lixo impediu que um carro te
atropelasse e que suas pernas ficassem inutilizadas assim como todo o resto do
seu corpo, tetraplégico sua vida inteira seria em uma cama. O acaso não quis
assim. Sem querer você driblou o destino e mudou sua história. Seu caminho não
era esse porque você de alguma maneira não quis, mas ao mesmo tempo você nem ao
menos teve intenção de sobreviver, talvez com aquela raiva injustificada pegou
aquele panfleto inútil e ele te salvou. Depois nem sabia que deveria comemorar
agradecendo e acabou vivendo como se tudo que acontece na sua vida fosse uma
merda, um problema, algo tão grande que jamais pode ser superado. Que inútil.
É muito interessante como somos
ingratos, analisando tudo por esse viés. Ingratos por poder estar aqui. Só. Na
verdade, qualquer viés adotado demonstra o quão insatisfeito e ganancioso o ser
humano é. Na sua essência o homem moderno condiciona-se a pensar no agora e a
reclamar do agora. Sem pensar nunca que, na verdade, o agora é culpa quase que
somente do que se fez antes. Quase sempre. Um ou outro ponto é encontrado fora
dessa reta do destino escrito dia após dia, como uma doença ou um acidente na
estrada, que às vezes em nada tem a ver com escolhas, mas com “era pra ser
assim”... É mais alto do que nossos olhos tangem.
O acaso é um presente, coroado
pelo livre arbítrio. O “direito” que a vida te dá de escolher se levantar para enganar
teu pai durante o dia e dormir a noite sem nem pensar nisso no final é o mesmo
que 20 anos depois vai te lembrar que o velho chato queria o teu bem e que o
tempo passou, que o velho passou, que você está por conta própria desde o
começo na verdade, que a escolha foi
sua, e que realmente você sempre foi avisado e optou por não ouvir, mas que
apesar disso tudo, você ainda tem como mudar. E fazer diferente. E a partir de
agora, fazer valer a pena. A vontade é sua. O destino é seu. A vida é tua. O
problema na verdade foi sempre seu. E a chance na verdade é agora. Assim como
foi antes. Seu destino esteve sempre nas suas mãos e nunca é tarde demais para
fazer de novo.
A possibilidade de eu estar aqui
com o computador no colo de madrugada escrevendo esse texto é a mesma de minha
mãe ter se mudado para o Canadá dez anos atrás em uma oportunidade de emprego.
E como eu sou grato ao “mundo”. Grato por ter a oportunidade de viver do acaso.
De remodelar meu destino sem perceber. De ouvir uma música boa com alguém que
gosta da mesma música que eu e de sorrir por causa disso. De simplesmente ter a
chance de fazer de novo. De conhecer gente nova. De me surpreender. De estar
aqui. De investir tempo conhecendo mais de cada um. De simplesmente me
arrepender. De eu ser alguém. De me inspirar na nossa conversa. De me frustrar,
mas ter vontade de tentar de novo e de não me cansar até não ter mais outra
saída. De amar. De perder meu tempo. De errar. De levantar mais uma vez amanhã.
Ou de adoecer. De aprender. De ser esquecido. De aprender que eu consigo viver
por mim mesmo, mas que é bom e dá mais sentido à vida viver para os outros.
Oportunidade de fazer do meu acaso, o acaso mais especial do mundo. Espero que
o acaso na sua vida seja especial também.