Ao acaso.

Vocês já por algum qualquer motivo pararam para pensar em como tudo que acontece teve chances mínimas de acontecer de fato? Saindo de um universo pequeno como o interior da sua casa. Qual era a chance de você despertar às 10h da manhã com o barulho da goteira no andar de cima e dar de cara com o céu mais azul que nunca antes se viu? Céu azul que te motivou a pensar, improvavelmente, em como a cor do oceano varia de acordo com sua temperatura, composição química e principalmente profundidade. De repente você comenta com seu amigo no facebook mais tarde e ele te diz que queria mesmo falar com você porque aquela música fez com que ele pensasse, do nada, em vocês dois e naquele milésimo de segundo os dois se apaixonaram. Depois de anos casaram. Seus filhos gêmeos nasceram no mesmo dia em que aquele céu azul motivou tudo e de repente sua vida está lá. Feita. Feita do acaso.
Ao acaso.
Um amontoado de coincidências. Uma combinação improvável de resultados é o que todos somos. E quem disse que isso diminui o valor da vida? O milagre que a vida é justifica-se assim. Sem querer, sem muito pensar, de repente tudo que a gente fez na vida teve alguma consequência séria no nosso destino. Talvez aquele panfleto que você pegou na rua e que logo mais na frente foi descartado no lixo impediu que um carro te atropelasse e que suas pernas ficassem inutilizadas assim como todo o resto do seu corpo, tetraplégico sua vida inteira seria em uma cama. O acaso não quis assim. Sem querer você driblou o destino e mudou sua história. Seu caminho não era esse porque você de alguma maneira não quis, mas ao mesmo tempo você nem ao menos teve intenção de sobreviver, talvez com aquela raiva injustificada pegou aquele panfleto inútil e ele te salvou. Depois nem sabia que deveria comemorar agradecendo e acabou vivendo como se tudo que acontece na sua vida fosse uma merda, um problema, algo tão grande que jamais pode ser superado. Que inútil.
É muito interessante como somos ingratos, analisando tudo por esse viés. Ingratos por poder estar aqui. Só. Na verdade, qualquer viés adotado demonstra o quão insatisfeito e ganancioso o ser humano é. Na sua essência o homem moderno condiciona-se a pensar no agora e a reclamar do agora. Sem pensar nunca que, na verdade, o agora é culpa quase que somente do que se fez antes. Quase sempre. Um ou outro ponto é encontrado fora dessa reta do destino escrito dia após dia, como uma doença ou um acidente na estrada, que às vezes em nada tem a ver com escolhas, mas com “era pra ser assim”... É mais alto do que nossos olhos tangem.
O acaso é um presente, coroado pelo livre arbítrio. O “direito” que a vida te dá de escolher se levantar para enganar teu pai durante o dia e dormir a noite sem nem pensar nisso no final é o mesmo que 20 anos depois vai te lembrar que o velho chato queria o teu bem e que o tempo passou, que o velho passou, que você está por conta própria desde o começo na verdade,  que a escolha foi sua, e que realmente você sempre foi avisado e optou por não ouvir, mas que apesar disso tudo, você ainda tem como mudar. E fazer diferente. E a partir de agora, fazer valer a pena. A vontade é sua. O destino é seu. A vida é tua. O problema na verdade foi sempre seu. E a chance na verdade é agora. Assim como foi antes. Seu destino esteve sempre nas suas mãos e nunca é tarde demais para fazer de novo.
A possibilidade de eu estar aqui com o computador no colo de madrugada escrevendo esse texto é a mesma de minha mãe ter se mudado para o Canadá dez anos atrás em uma oportunidade de emprego. E como eu sou grato ao “mundo”. Grato por ter a oportunidade de viver do acaso. De remodelar meu destino sem perceber. De ouvir uma música boa com alguém que gosta da mesma música que eu e de sorrir por causa disso. De simplesmente ter a chance de fazer de novo. De conhecer gente nova. De me surpreender. De estar aqui. De investir tempo conhecendo mais de cada um. De simplesmente me arrepender. De eu ser alguém. De me inspirar na nossa conversa. De me frustrar, mas ter vontade de tentar de novo e de não me cansar até não ter mais outra saída. De amar. De perder meu tempo. De errar. De levantar mais uma vez amanhã. Ou de adoecer. De aprender. De ser esquecido. De aprender que eu consigo viver por mim mesmo, mas que é bom e dá mais sentido à vida viver para os outros. Oportunidade de fazer do meu acaso, o acaso mais especial do mundo. Espero que o acaso na sua vida seja especial também.

14.01.2013