As perguntas


O papel recebe a ponta do grafite com agressividade apenas suficiente para que as letras se marquem sobre o branco. O som abrasivo é prazeroso e parece descarregar em letras aquilo que nem mesmo o coração consegue decifrar.

Permitir que se materialize as sensações em poesia é uma necessidade ambígua. Auto-repelente, eternamente frustrante e jamais satisfatória.
Aquele que se aventura na poesia aceita para si o fardo de ser incompleto.

Porque até o som do lápis faz a cabeça pensar naquilo que o coração não conseguiu sentir. E sempre vai faltar uma reposta.

Lula condenado. Enquanto isso, em Brasília...

Lula sendo bonito. Reprodução/Veja.

É curioso notar a certeza de unificação do Brasil com a condenação de Lula. Mas é mais interessante tentar compreender a razão de isso ter virado a “salvação nacional”. Nos últimos anos, sobretudo até o segundo mandato de Dil­ma Rousseff, o Brasil cresceu, distribuiu riquezas e muita gente ascendeu socialmente. Muita gente entrou na universidade. Muita gente deixou de passar fome. E uma galera ficou incomodada, uma galera bastante rica e que
têm em mãos os meios de comunicação.

De qualquer forma, não vou entrar agora no mérito da tensão social clara que foi criada por mudanças na estrutura do Brasil, porque não é isso que realmente importa aqui: todo mundo viu e todo mundo vê que o PT e algumas de suas políticas sociais mudaram a cara do país, aceitando ou não, isso é uma verdade.

Deixa-me instigado também perceber como esse mesmo partido caiu no cerne da revolta popular, após forte campanha midiática – que faz oposição a Lula desde os anos 1980 – e uma série de erros que não passaram pela crítica interna do partido. Desde o mensalão, o PT é o partido mais sujo do cosmos, o criador da corrupção e o responsável por fazer do sistema político brasileiro um barco sem comandante em direção às ilhas da falcatrua, distribuição de cargos e Ministérios e compra de votos – conhecidas também como Congresso Nacional e Palácio do Planalto.

Acontece que o PT demorou muito tempo para ascender ao poder e, quando chegou lá, havia práticas políticas e institucionais mais velhas que a nossa recente democracia já em pleno funcionamento. É desonesto e destrutivo creditar ao PT e – agora com a condenação em segunda instância no TRF-4 – ao Lula toda a responsabilidade pela maneira podre de governar que foi criada pelo nosso sistema presidencialista de coalisão. O problema é maior do que os claros desvios morais, éticos, legais, políticos e sociais que o PT teve enquanto ditava as regras no Planalto. A reposta de que o PT é a culpa serve para que mais outros P’s sigam destruindo o Estado brasileiro.

O Brasil enfrenta momento de tensão social e política como talvez nunca antes se tenha visto. Nossa casa está dividida ao meio, como em uma festa de família que os pequenos grupos se aglutinam por preferências: as tias das orações, os primos da cerveja, os tios do futebol e os pequenos correndo pela casa. Acontece que, ao contrário do que acontece na família, o Brasil não vai seguir em paz com seu caminho enquanto não se dissiparem as tensões.

Para isso, era preciso que uma personagem fundamental para a nossa história tivesse passado por um processo – mais um! – intenso de investigação, com produção de provas, direito amplo a defesa e ao contraditório e, por fim, recebesse sentença condizente ao que foi produzido em juízo. Para que não restasse dúvida alguma sobre o direito aplicado e, assim, a elegibilidade fosse incontestável – afinal, Lula é pré-candidato e aparece como vencedor em quase todos os cenários simulados para o pleito eleitoral vindouro. Não foi isso que se viu nas mãos de Sérgio Moro, o famoso e incontestável juiz popstar – que fala mais fora dos autos do que nas sentenças que aplica.

E agora volto ao ponto fundamental dessa reflexão: o julgamento de Lula foi colocado como o Julgamento Final, aquele mesmo do livro de Apocalipse, da Bíblia. E não porque Lula é a cabeça da corrupção no Brasil – afinal, me parece que um tríplex no Guarujá vale bem menos que os R$ 51 milhões de Geddel, os R$ 52 milhões de Serra ou ainda as centenas de milhões de Eduardo Cunha, comandante do impeachment de Dilma e gangster famoso em Brasília por anos e anos a fio. Mas porque se dividiu o Brasil, se produziu uma resposta universal dissipada a esmo pelos meios de comunicação e se foi até o fim em busca dessa resposta miraculosa.

Ao contrário do que se objetivou, a devassa na vida de Lula dificultou ainda mais a construção da imagem demoníaca criada para o ex-Presidente com maior aprovação da história do Brasil. O que antes era uma obviedade nos jornais, tornou-se uma dúvida latente para quem acompanhava o processo com um pouco mais de atenção: perícias foram negadas, prazos foram encurtados, delações premiadas um tanto quanto controversas foram feitas a torto e a direito, acordos escusos entre promotoria e defesa de réus foram costurados e todo tipo de declaração polêmica foi feita pelos envolvidos no processo. Como se diz, foi-se com muita sede ao pote, e o processo que deveria ter a lisura como marca claramente perdeu a polidez e clareza com o avanço de Moro sobre Lula.  

Agora, com uma sentença revisada em segunda instância, quais são as certezas que restam ao povo? A celebração verde e amarela vista com a condenação não é certeza de união da nação. Afinal, do outro lado, bandeiras vermelhas tremulam com mais força do que nunca e a defesa do presidente caberá ao povo que em sua inocência ainda acredita – e com um tanto de motivos para tal. A resposta universal não era a que o Brasil precisava, o país não superou suas dores, não enterrou seus demônios e muito menos encontrou um novo caminho a seguir com a primeira condenação de seu ex-Presidente.

A tensão social se dissipa no fazer político, no debate democrático e republicano de ideias, ideais e projetos de país. E, depois, no clicar da urna. É somente na ideia de que o Brasil avança se todos avançarem que isso acontece, se um novo líder conseguir dialogar com pontos de tensão existentes e dissipá-los, ou ao menos amenizá-los com o voto popular e o diálogo com o povo nas campanhas eleitorais. Esse é o crivo que define o cargo máximo da República Federativa do Brasil. O pacto social firmado com o voto legitima um chefe de Estado a ser reformista.

­A caçada interminável a Lula não teve o resultado de resposta universal pretendida porque jamais o poderia ser. Afinal, não se discute um projeto de país e um novo plano de governo simplesmente colocando o presidente mais popular da história de um país como condenado – ao menos é isso que as pesquisas indicam: “47% dos brasileiros querem Lula candidato”.

Tudo que cerca Lula segue existindo, tudo que foi feito por Lula como chefe de Estado ainda tem representatividade para muita gente que foi beneficiada por políticas de inclusão social. E isso é parte da nossa história, sempre será. O interesse a que a rápida condenação atendeu foi “varrer o PT do Brasil” – fato que, por si só, só resolve o problema de quem não consegue bater o PT nas urnas. A resposta para uma parte dos brasileiros realmente era acabar com o PT, quando talvez tivesse sido necessário se discutir o Partido dos Trabalhadores, suas bandeiras e, assim como foi no pleito de 2014, deixar que as urnas ditem os rumos.

As grandes mudanças estruturais necessárias ainda precisam e podem ser discutidas – como se comentou mais acima, o sistema político como um todo precisa ser reformado. A força política de Lula tem papel fundamental nessa história. Até agora, entretanto, não há líder algum que se apresente no horizonte com o mínimo desejo de dialogar com tudo que há de tensão no Brasil. Mas talvez, de fato, esse nunca tenha sido o objetivo da caça ao Lula. 

Talvez, para grande parte do Brasil, o problema realmente seja o Partido dos Trabalhadores e discussão alguma talvez seja capaz de produzir um país mais justo.

E nós, o povo, seguimos aqui. Sem a menor ideia do que o ano nos reserva.

Enquanto isso.... Em Brasília.... 

M.

O relógio já marcava mais de 23 horas quando entrei pela porta do bar para mijar. Ao passar a entrada em arco me deparei com um senhor sentado em frente a um jukebox desligado. Com os braços cruzados na altura da cintura e com uma bolsa verde apoiada no colo, o homem sozinho olhava a um horizonte distante com um esboço de sorriso escondido no canto da boca.   
     
No trajeto entre o salão mal iluminado e os mictórios do boteco, perguntei-me: quem será esse homem? Segundos mais tarde puxei uma cadeira da mesa ao lado e me apresentei. O rapaz se identificou com graça que não me recordo agora, afinal a consciência já alterada me falta com a memória, mas sua idade não esqueci. M. tem 51 anos, mesma idade de meu pai, é catador de reciclagem.

Com instinto curioso fui logo me infiltrando no espaço privado de M. Ofereci uma bebida “o que você bebe? ”, perguntei.  M. recusa qualquer fermentado ou destilado, “álcool eu não bebo não”, mas aceita um refrigerante, “uma Coca eu aceito”. Continuou com os braços cruzados e, antes de beber, ele ofereceu um gole e logo serviu seu copo.

Ao ouvir minha pergunta sobre a família, M. não hesita e logo fala de seus três filhos, “tenho um de 23, outro de 21 e Davi tem 17 anos. Não os vejo há quatro anos”. Sem que eu precise fazer mais perguntas, M. toma controle da conversa e desembola: “A mãe deles ganhou uma herança, começou a sair com outros caras e logo me virou contra eles”.

Parece que o caminho de M. encontrou algumas pedras. Na juventude se envolveu com “essas coisas de amor” e parece que o amor não bastou. Disse que investiu vida e tempo, mas agora já andava sozinho. A mulher que amou hoje só o trazia “nojo”. Seja lá o que há por de trás da história, parece não ter deixado nada com ele.

M. contou que, semanas antes do nosso encontro, ao cruzar a Avenida Afonso Pena, no sentido que leva à Praça do Papa, encontrou com seu querido Davi. “Um violão nas costas, menino forte, bonito. Parece que tava no Papa com uns amigos, fazendo um som”. E explicou a surpresa: “De costas no meu carrinho ele me reconheceu. De longe gritou ‘ei, pai!’”.

Davi parece ser o único que não “evitava atender ligações” e queria muito “saber do pai”. M. confidenciou que esse era o filho que mais se parecia com ele: “Bonito. Mulherengo. Tava sempre com alguma menina”, mas “sabia das coisas”. M. queria saber mais dos filhos e contou que, ao se despedir, pediu ao filho: “quando quiser saber de pai, procura nesse bar aqui na Avenida Brasil, perto da Liberdade. Ou então na rua de cima, encontrei um canto em um posto de gasolina ali e fico ali mesmo” e acenou com a cabeça apontando para a avenida que segue ao norte .

Sorriu com satisfação, com o olhar ainda alto num horizonte distante, M. agradeceu pelo papo e pela “Coquinha”.

Eu agradeço, M. Sorte.


13 de julho de 2015. Skina, Av. Brasil com Bernardo Guimarães. 

O brasileiro político


            A cada biênio o tema “política” volta a fazer parte da rotina do brasileiro médio. Geralmente certo sentimento patriota toma o coração tupiniquim nos meses, semanas e dias que antecedem e seguem as eleições para prefeitos, vereadores, deputados, senadores e presidente. A discussão é travada à ferro e fogo, mas se dissipa no ar logo após o veredito das urnas.
            O ser humano é um ser político de nascença e por necessidade. A existência humana em sociedade exige o debate entre os valores trazidos de casa e aqueles que se encontra no espaço público. A política, através de mecanismos do Estado, faz a mediação de interesses comuns e privados a fim de garantir a sobrevivência em âmbito amplo e geral.
            A consciência de que é necessário ser um sujeito político parece tomar conta da sociedade civil somente nos momentos de debate ideológico direto que antecedem as eleições. Ao menos no Brasil o cidadão atrela a cidadania ao som estridente do botão verde que confirma “45” ou “13” no mês de outubro. Tal relação entre brasileiros e política revela o caráter imediatista com que a sociedade trata o ato de fazer política e até mesmo a suas necessidades pessoais.
            Ser político ao brasileiro é cada vez mais vencer um jogo de ideias e ideais. Sem flexibilidade ou pensamento progressista, eleitoras e eleitores vestem-se com armadura e escudo da razão, sobem ao campo de batalhas, e com espadas de preconceito junto a dados fantasiosos travam guerra sanguinária com um único objetivo: ser considerado  correto e sair como o vencedor dono da razão.
            Hoje a sociedade é composta por indivíduos que, mais do que o bem geral, querem fazer valer as suas ideias pessoais para salvar a humanidade da ditadura feminazi, gayzista, comunista, maconheira e abortista. As diferenças são tratadas com fundamentalismo essencial e aos poucos o ato político se esvazia de sentido: afinal, se não há possibilidade de se construir algo novo a partir do diferente, para que fazer política?
            Somos hoje sujeitos políticos somente para apertar teclas na urna. Dissociamo-nos da política a todo tempo por acreditarmos que não somos parte da festa da corrupção que acontece nas câmaras ao redor do país. Deixamos a política aos políticos e assim abdicamos da nossa cidadania caminhando no sentido oposto ao da democracia participativa.
            O sujeito humano é político mesmo quando opta por não o ser, porque a vida em sociedade exige isso. A sociedade é formada em conjunto, decide seus rumos em conjunto e sofre as consequências de suas escolhas também conjuntamente. Se é impossível não ser um sujeito político, portanto é também impossível não sermos considerados ao menos cúmplices das decisões tomadas pelas “autoridades políticas” da sociedade que nós mesmos sustentamos.
            Aceitar o papel de cidadão responsável pelo rumo da sociedade parece ser pesado ao brasileiro. Nossa sociedade mostra-se frustrada e cansada dos escândalos e descrente, por isso, em mudanças. A nossa concepção do futuro desanima qualquer ação que possa subverter esses próximos e iminentes passos. Por outro lado, resgatar a capacidade política através da cidadania – ao contrário do movimento “apolítico” que se vê ultimamente - talvez seja a chave para que grandes mudanças realmente impactantes aconteçam em nossa sociedade.

12 de Fevereiro de 2015

Seu tempo, nosso espaço

E se agora houvesse, na mais remota conjectura que fosse,
possibilidade de transgredir o tempo e habitar um espaço nosso no passado.
Trazer de volta da memória o instante do abraço
E habitar para sempre naquele nosso amasso.

E se houvesse ao menos por um instante, a fagulha que fosse,
de esperança que me trouxesse força.
Possibilitando então à fé que movesse a montanha
que caiu surgindo entre nós, separando nosso abraço eterno no espaço.

E se eu pudesse de novo seguir pelo mesmo caminho...
Lembrar os nossos momentos e reaprender sozinho.
Quem sabe se eu pudesse caminhar de novo pela minha infância,
E trazer de volta quem tanto amou por mim como eterna criança.

Mas se nesse caminho porventura eu encontrar um outro sorriso
Daqueles que me faça amar como se realmente não precisasse de motivo?
Me pergunto se meu coração preencheria seu espaço de saudade com esse amor recém chegado...
Ou se aproveitaria a oportunidade e ficaria eternamente perdido no seu tempo e no nosso espaço.

Quieto e aconchegado

28 de Agosto de 2014.

Hoje não

Pra que negar o sentimento? Ou privar a sensação? Deixa a fechadura, abre sua porta, que entre o vento então.

Roda sua saia, despenteia teu cabelo, anda descalça. Deixa a maquiagem, grita teu brado, esqueça a espinha.

Pega tua caneta e rabisca tua folha. Escreve com caneta e risca por cima. Faz da sua vida arte e vai, menina.

O forno esqueça ligado, deixa a janela aberta, molha a casa de chuva.

Anda com a roupa amassada, esquece do padrão imposto, tranca o preconceito pra dentro. Foge.

Sai pelo passeio sem destino certo, deixa a chave na porta e convida a novidade. O ar circula na rua, abre a janela e deixa passar a chuva. Viva a diversidade.

Esquece do que foi, importa o que é, deixa o passado pra depois e simplesmente vá a pé.

Não use relógio, guie-se pelo sol e enquanto houver luz haverá festa. Quando a luz se for, o passo de trás ficou, a decisão envelheceu mas o futuro ainda é seu.

O tempo passa sempre, então deixa passar, não corre atrás. Faz da vida a arte de viver, sem medo de sua história desaparecer.

Esqueça dos padrões, assume o controle. O padrão e o objetivo ou o sucesso, questão de opinião. Leva a tua vida longe da imposição.

Não, não, Padrão. Hoje não.


A Culpa é das Estrelas e o amor como fonte finita

O romance de John Green, que foi adaptado ao cinema e está em cartaz bombando no país inteiro, é suave apesar de tratar de um tema um tanto quanto pesado. O enredo inicialmente trata da história de amor de Hazel Grace e Augustus Waters, mas a um olhar levemente mais atento revela-se uma temática muito mais profunda do que um drama adolescente. O amor, a companhia, sentimento de perenidade e o depois que talvez não chegue.

Hazel e Augustus vivem alguns dilemas. Primeira e obviamente enfrentam o câncer e suas sequelas e isso permeia a história toda, não teria como ser diferente. Mas o câncer tem papel ambíguo no enredo: tem certo protagonismo, afinal é uma doença devastadora filha da puta, mas também serve como plano de fundo para uma história mais complexa do que jovens-amantes-com-câncer.

Além de serem doentes, fato que Hazel trata de deixar bem claro lembrando que a morte é um destino e não um possível desfecho para sua doença, os dois são adolescentes e enfrentam todos os percalços da vida de um adolescente. A mãe de Hazel quer a todo custo que sua filha supere uma possível depressão conhecendo pessoas com os mesmos problemas que os seus em um grupo de apoio. Gus lida de maneira mais independente com seus problemas usando um cigarro dependurado na boca assegurando de maneira metafórica o controle sobre a sua vida: o cigarro tem o poder de te matar mas não o faz se não for aceso.

Não quero tratar do filme em seus aspectos ténicos, fazer uma resenha crítica ou bancar o conhecedor de cinema pois não o sou. Quero, a partir de agora, depois de uma ideia geral do que trata a história, explorar o caminho que John escolheu para tratar do sentimento de perda a partir da convivência com a morte iminente, do amor e das inúmeras sensações que ele é capaz de propiciar.

O namoro de Hazel e Gus é moroso. Demora a se desenrolar. Não é aquela explosão de sentimentos que engole o casal que de repente se vê no facebook “namorando” com os likes subindo sem parar, as mensagens no whatsapp bombando ou sei lá mais o que acontece quando se namora. Eles se apaixonam com o tempo, de maneira leve. Se conhecem, se encantam com a possibilidade de ter encontrado alguém pelo qual “seria um privilégio ter o coração partido” como Gus define sua amada e, mesmo com o peso de ser uma “granada que a qualquer momento pode explodir” como diz Hazel, finalmente se deixam levar.

Esse ritmo mais lento, menos explosivo e mais real que John atribui ao amor traz certa maturidade ao sentimento e à história, acabando com qualquer possibilidade de “romance pra menininha”. Tendo isso estabelecido, a narrativa conduz a alguns questionamentos levantados pelas personagens e moídos por nós que vamos percorrendo a história com os olhos.

O sentimento de perda não é uma constante em um relacionamento, afinal a morte ou o fim de um namoro parecem sempre tão distantes que não nos damos o trabalho de sofrer por antecipação. Em A Culpa é das Estrelas essa realidade é subvertida, afinal a qualquer momento o namoro pode acabar pela morte de algum deles. E eles lidam com isso da melhor maneira possível.

Cada momento deles é único, cada palavra trocada tem uma importância distinta e cada uma das sensações é única (aqui vale ressaltar uma característica da obra, tanto a escrita quanto a película: os momentos do enredo são bem separados, detalhados e vividos na história de maneira suave e contribuem para o estabelecimento desse ritmo suave no amor). O amor deles é essencialmente companheiro, compartilham entre si a oportunidade de ter alguém com quem falar sobre o mundo e sobre suas próprias aflições. O amor é vivido por Hazel e Gus em sua plenitude de sensações, suave e fluído como deve ser.

O depois não existe para Hazel e Gus, mas nem por isso a vida é tratada com caráter imediatista. Ter consciência de que tudo é finito, de que o fim é simplesmente parte da jornada, dá um caráter maduro interessante ao amor e acaba conduzindo o amante a aproveitar o sentimento em sua plenitude (e finitude). Perde-se muito das sensações e dos momentos por se ter convicção de que o fim está sempre distante, quando na verdade essa certeza fajuta é uma prova da insegurança e do medo que a possibilidade de fim traz.

Esconder-se dos momentos em que deixamos para trás alguns capítulos da vida, tentando se enganar, deturpa a qualidade principal do amor: ele deve ser sentido em todos os seus estágios, deve ser degustado como um champanhe e deixar-se sentir o gosto das estrelas que explodem no céu da boca. O amor é uma fonte que deve ser tratada com um bem não renovável, assim como a água. Cada gole de amor deve ser saboreado e vivido, degustado e sentido.

A certeza de que se estará sempre na companhia de quem se ama é enganosa. Não traz segurança, não estimula o convívio e acaba ainda colocando as relações em stand-by, deixando tudo sempre para o depois mesmo sem saber se ele virá.

Depois, na verdade, é sempre tarde demais. O que foi feito para ser vivido tem que sê-lo agora. Alguns infinitos são maiores do que outros e a sua grandeza depende de como ele é aproveitado. As coisas são infinitas não só enquanto duram, talvez as coisas sejam infinitas na mesma medida de tempo em que podem ser sentidas.