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Lula sendo bonito. Reprodução/Veja. |
É curioso notar a certeza de unificação do Brasil com a condenação de Lula. Mas é mais interessante tentar compreender a razão de isso ter virado a “salvação nacional”. Nos últimos anos, sobretudo até o segundo mandato de Dilma Rousseff, o Brasil cresceu, distribuiu riquezas e muita gente ascendeu socialmente. Muita gente entrou na universidade. Muita gente deixou de passar fome. E uma galera ficou incomodada, uma galera bastante rica e que têm em mãos os meios de comunicação.
De qualquer forma, não vou entrar agora no mérito da tensão social
clara que foi criada por mudanças na estrutura do Brasil, porque não é isso que
realmente importa aqui: todo mundo viu e todo mundo vê que o PT e algumas de
suas políticas sociais mudaram a cara do país, aceitando ou não, isso é uma verdade.
Deixa-me instigado também perceber como esse mesmo partido caiu no
cerne da revolta popular, após forte campanha midiática – que faz oposição a
Lula desde os anos 1980 – e uma série de erros que não passaram pela crítica
interna do partido. Desde o mensalão, o PT é o partido mais sujo do cosmos, o
criador da corrupção e o responsável por fazer do sistema político brasileiro
um barco sem comandante em direção às ilhas da falcatrua, distribuição de cargos
e Ministérios e compra de votos – conhecidas também como Congresso Nacional e
Palácio do Planalto.
Acontece que o PT demorou muito tempo para ascender ao poder
e, quando chegou lá, havia práticas políticas e institucionais mais velhas que
a nossa recente democracia já em pleno funcionamento. É desonesto e destrutivo creditar
ao PT e – agora com a condenação em segunda instância no TRF-4 – ao Lula toda a
responsabilidade pela maneira podre de governar que foi criada pelo nosso
sistema presidencialista de coalisão. O problema é maior do que os claros
desvios morais, éticos, legais, políticos e sociais que o PT teve enquanto
ditava as regras no Planalto. A reposta de que o PT é a culpa serve para que
mais outros P’s sigam destruindo o Estado brasileiro.
O Brasil enfrenta momento de tensão social e política como
talvez nunca antes se tenha visto. Nossa casa está dividida ao meio, como em
uma festa de família que os pequenos grupos se aglutinam por preferências: as
tias das orações, os primos da cerveja, os tios do futebol e os pequenos
correndo pela casa. Acontece que, ao contrário do que acontece na família, o
Brasil não vai seguir em paz com seu caminho enquanto não se dissiparem as
tensões.
Para isso, era preciso que uma personagem fundamental para a nossa
história tivesse passado por um processo – mais um! – intenso de investigação,
com produção de provas, direito amplo a defesa e ao contraditório e, por fim,
recebesse sentença condizente ao que foi produzido em juízo. Para que não
restasse dúvida alguma sobre o direito aplicado e, assim, a elegibilidade fosse
incontestável – afinal, Lula é pré-candidato e aparece como vencedor em quase
todos os cenários simulados para o pleito eleitoral vindouro. Não foi isso que
se viu nas mãos de Sérgio Moro, o famoso e incontestável juiz popstar – que
fala mais fora dos autos do que nas sentenças que aplica.
E agora volto ao ponto fundamental dessa reflexão: o
julgamento de Lula foi colocado como o Julgamento Final, aquele mesmo do livro
de Apocalipse, da Bíblia. E não porque Lula é a cabeça da corrupção no Brasil –
afinal, me parece que um tríplex no Guarujá vale bem menos que os R$ 51 milhões
de Geddel, os R$ 52 milhões de Serra ou ainda as centenas de milhões de Eduardo
Cunha, comandante do impeachment de Dilma e gangster famoso em Brasília por
anos e anos a fio. Mas porque se dividiu o Brasil, se produziu uma resposta
universal dissipada a esmo pelos meios de comunicação e se foi até o fim em
busca dessa resposta miraculosa.
Ao contrário do que se objetivou, a devassa na vida de Lula
dificultou ainda mais a construção da imagem demoníaca criada para o
ex-Presidente com maior aprovação da história do Brasil. O que antes era uma
obviedade nos jornais, tornou-se uma dúvida latente para quem acompanhava o
processo com um pouco mais de atenção: perícias foram negadas, prazos foram encurtados, delações premiadas um tanto quanto controversas foram feitas a torto e a direito, acordos escusos entre
promotoria e defesa de réus foram costurados e todo tipo de declaração polêmica foi feita pelos envolvidos no
processo. Como se diz, foi-se com muita
sede ao pote, e o processo que deveria ter a lisura como marca claramente
perdeu a polidez e clareza com o avanço de Moro sobre Lula.
Agora, com uma sentença revisada em segunda instância, quais
são as certezas que restam ao povo? A celebração verde e amarela vista com a
condenação não é certeza de união da nação. Afinal, do outro lado, bandeiras
vermelhas tremulam com mais força do que nunca e a defesa do presidente caberá
ao povo que em sua inocência ainda acredita – e com um tanto de motivos para
tal. A resposta universal não era a que o Brasil precisava, o país não superou
suas dores, não enterrou seus demônios e muito menos encontrou um novo caminho
a seguir com a primeira condenação de seu ex-Presidente.
A tensão social se dissipa no fazer político, no debate
democrático e republicano de ideias, ideais e projetos de país. E, depois, no
clicar da urna. É somente na ideia de que o Brasil avança se todos avançarem
que isso acontece, se um novo líder conseguir dialogar com pontos de tensão
existentes e dissipá-los, ou ao menos amenizá-los com o voto popular e o
diálogo com o povo nas campanhas eleitorais. Esse é o crivo que define o cargo
máximo da República Federativa do Brasil. O pacto social firmado com o voto
legitima um chefe de Estado a ser reformista.
A caçada interminável a Lula não teve o resultado de resposta
universal pretendida porque jamais o poderia ser. Afinal, não se discute um
projeto de país e um novo plano de governo simplesmente colocando o presidente
mais popular da história de um país como condenado – ao menos é isso que as
pesquisas indicam: “47% dos brasileiros querem Lula candidato”.
Tudo que cerca Lula segue existindo, tudo que foi feito por
Lula como chefe de Estado ainda tem representatividade para muita gente que foi
beneficiada por políticas de inclusão social. E isso é parte da nossa história,
sempre será. O interesse a que a rápida condenação atendeu foi “varrer o PT do
Brasil” – fato que, por si só, só resolve o problema de quem não consegue bater
o PT nas urnas. A resposta para uma parte dos brasileiros realmente era acabar
com o PT, quando talvez tivesse sido necessário se discutir o Partido dos
Trabalhadores, suas bandeiras e, assim como foi no pleito de 2014, deixar que
as urnas ditem os rumos.
As grandes mudanças estruturais necessárias ainda precisam e
podem ser discutidas – como se comentou mais acima, o sistema político como um
todo precisa ser reformado. A força política de Lula tem papel fundamental
nessa história. Até agora, entretanto, não há líder algum que se apresente no
horizonte com o mínimo desejo de dialogar com tudo que há de tensão no Brasil.
Mas talvez, de fato, esse nunca tenha sido o objetivo da caça ao Lula.
Talvez, para grande parte do Brasil, o problema realmente seja o Partido dos Trabalhadores e discussão alguma talvez seja capaz de produzir um país mais justo.
Talvez, para grande parte do Brasil, o problema realmente seja o Partido dos Trabalhadores e discussão alguma talvez seja capaz de produzir um país mais justo.
E nós, o povo, seguimos aqui. Sem a menor ideia do que o ano
nos reserva.
Enquanto isso.... Em Brasília....
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