A Culpa é das Estrelas e o amor como fonte finita

O romance de John Green, que foi adaptado ao cinema e está em cartaz bombando no país inteiro, é suave apesar de tratar de um tema um tanto quanto pesado. O enredo inicialmente trata da história de amor de Hazel Grace e Augustus Waters, mas a um olhar levemente mais atento revela-se uma temática muito mais profunda do que um drama adolescente. O amor, a companhia, sentimento de perenidade e o depois que talvez não chegue.

Hazel e Augustus vivem alguns dilemas. Primeira e obviamente enfrentam o câncer e suas sequelas e isso permeia a história toda, não teria como ser diferente. Mas o câncer tem papel ambíguo no enredo: tem certo protagonismo, afinal é uma doença devastadora filha da puta, mas também serve como plano de fundo para uma história mais complexa do que jovens-amantes-com-câncer.

Além de serem doentes, fato que Hazel trata de deixar bem claro lembrando que a morte é um destino e não um possível desfecho para sua doença, os dois são adolescentes e enfrentam todos os percalços da vida de um adolescente. A mãe de Hazel quer a todo custo que sua filha supere uma possível depressão conhecendo pessoas com os mesmos problemas que os seus em um grupo de apoio. Gus lida de maneira mais independente com seus problemas usando um cigarro dependurado na boca assegurando de maneira metafórica o controle sobre a sua vida: o cigarro tem o poder de te matar mas não o faz se não for aceso.

Não quero tratar do filme em seus aspectos ténicos, fazer uma resenha crítica ou bancar o conhecedor de cinema pois não o sou. Quero, a partir de agora, depois de uma ideia geral do que trata a história, explorar o caminho que John escolheu para tratar do sentimento de perda a partir da convivência com a morte iminente, do amor e das inúmeras sensações que ele é capaz de propiciar.

O namoro de Hazel e Gus é moroso. Demora a se desenrolar. Não é aquela explosão de sentimentos que engole o casal que de repente se vê no facebook “namorando” com os likes subindo sem parar, as mensagens no whatsapp bombando ou sei lá mais o que acontece quando se namora. Eles se apaixonam com o tempo, de maneira leve. Se conhecem, se encantam com a possibilidade de ter encontrado alguém pelo qual “seria um privilégio ter o coração partido” como Gus define sua amada e, mesmo com o peso de ser uma “granada que a qualquer momento pode explodir” como diz Hazel, finalmente se deixam levar.

Esse ritmo mais lento, menos explosivo e mais real que John atribui ao amor traz certa maturidade ao sentimento e à história, acabando com qualquer possibilidade de “romance pra menininha”. Tendo isso estabelecido, a narrativa conduz a alguns questionamentos levantados pelas personagens e moídos por nós que vamos percorrendo a história com os olhos.

O sentimento de perda não é uma constante em um relacionamento, afinal a morte ou o fim de um namoro parecem sempre tão distantes que não nos damos o trabalho de sofrer por antecipação. Em A Culpa é das Estrelas essa realidade é subvertida, afinal a qualquer momento o namoro pode acabar pela morte de algum deles. E eles lidam com isso da melhor maneira possível.

Cada momento deles é único, cada palavra trocada tem uma importância distinta e cada uma das sensações é única (aqui vale ressaltar uma característica da obra, tanto a escrita quanto a película: os momentos do enredo são bem separados, detalhados e vividos na história de maneira suave e contribuem para o estabelecimento desse ritmo suave no amor). O amor deles é essencialmente companheiro, compartilham entre si a oportunidade de ter alguém com quem falar sobre o mundo e sobre suas próprias aflições. O amor é vivido por Hazel e Gus em sua plenitude de sensações, suave e fluído como deve ser.

O depois não existe para Hazel e Gus, mas nem por isso a vida é tratada com caráter imediatista. Ter consciência de que tudo é finito, de que o fim é simplesmente parte da jornada, dá um caráter maduro interessante ao amor e acaba conduzindo o amante a aproveitar o sentimento em sua plenitude (e finitude). Perde-se muito das sensações e dos momentos por se ter convicção de que o fim está sempre distante, quando na verdade essa certeza fajuta é uma prova da insegurança e do medo que a possibilidade de fim traz.

Esconder-se dos momentos em que deixamos para trás alguns capítulos da vida, tentando se enganar, deturpa a qualidade principal do amor: ele deve ser sentido em todos os seus estágios, deve ser degustado como um champanhe e deixar-se sentir o gosto das estrelas que explodem no céu da boca. O amor é uma fonte que deve ser tratada com um bem não renovável, assim como a água. Cada gole de amor deve ser saboreado e vivido, degustado e sentido.

A certeza de que se estará sempre na companhia de quem se ama é enganosa. Não traz segurança, não estimula o convívio e acaba ainda colocando as relações em stand-by, deixando tudo sempre para o depois mesmo sem saber se ele virá.

Depois, na verdade, é sempre tarde demais. O que foi feito para ser vivido tem que sê-lo agora. Alguns infinitos são maiores do que outros e a sua grandeza depende de como ele é aproveitado. As coisas são infinitas não só enquanto duram, talvez as coisas sejam infinitas na mesma medida de tempo em que podem ser sentidas.