Seu tempo, nosso espaço

E se agora houvesse, na mais remota conjectura que fosse,
possibilidade de transgredir o tempo e habitar um espaço nosso no passado.
Trazer de volta da memória o instante do abraço
E habitar para sempre naquele nosso amasso.

E se houvesse ao menos por um instante, a fagulha que fosse,
de esperança que me trouxesse força.
Possibilitando então à fé que movesse a montanha
que caiu surgindo entre nós, separando nosso abraço eterno no espaço.

E se eu pudesse de novo seguir pelo mesmo caminho...
Lembrar os nossos momentos e reaprender sozinho.
Quem sabe se eu pudesse caminhar de novo pela minha infância,
E trazer de volta quem tanto amou por mim como eterna criança.

Mas se nesse caminho porventura eu encontrar um outro sorriso
Daqueles que me faça amar como se realmente não precisasse de motivo?
Me pergunto se meu coração preencheria seu espaço de saudade com esse amor recém chegado...
Ou se aproveitaria a oportunidade e ficaria eternamente perdido no seu tempo e no nosso espaço.

Quieto e aconchegado

28 de Agosto de 2014.

Hoje não

Pra que negar o sentimento? Ou privar a sensação? Deixa a fechadura, abre sua porta, que entre o vento então.

Roda sua saia, despenteia teu cabelo, anda descalça. Deixa a maquiagem, grita teu brado, esqueça a espinha.

Pega tua caneta e rabisca tua folha. Escreve com caneta e risca por cima. Faz da sua vida arte e vai, menina.

O forno esqueça ligado, deixa a janela aberta, molha a casa de chuva.

Anda com a roupa amassada, esquece do padrão imposto, tranca o preconceito pra dentro. Foge.

Sai pelo passeio sem destino certo, deixa a chave na porta e convida a novidade. O ar circula na rua, abre a janela e deixa passar a chuva. Viva a diversidade.

Esquece do que foi, importa o que é, deixa o passado pra depois e simplesmente vá a pé.

Não use relógio, guie-se pelo sol e enquanto houver luz haverá festa. Quando a luz se for, o passo de trás ficou, a decisão envelheceu mas o futuro ainda é seu.

O tempo passa sempre, então deixa passar, não corre atrás. Faz da vida a arte de viver, sem medo de sua história desaparecer.

Esqueça dos padrões, assume o controle. O padrão e o objetivo ou o sucesso, questão de opinião. Leva a tua vida longe da imposição.

Não, não, Padrão. Hoje não.


A Culpa é das Estrelas e o amor como fonte finita

O romance de John Green, que foi adaptado ao cinema e está em cartaz bombando no país inteiro, é suave apesar de tratar de um tema um tanto quanto pesado. O enredo inicialmente trata da história de amor de Hazel Grace e Augustus Waters, mas a um olhar levemente mais atento revela-se uma temática muito mais profunda do que um drama adolescente. O amor, a companhia, sentimento de perenidade e o depois que talvez não chegue.

Hazel e Augustus vivem alguns dilemas. Primeira e obviamente enfrentam o câncer e suas sequelas e isso permeia a história toda, não teria como ser diferente. Mas o câncer tem papel ambíguo no enredo: tem certo protagonismo, afinal é uma doença devastadora filha da puta, mas também serve como plano de fundo para uma história mais complexa do que jovens-amantes-com-câncer.

Além de serem doentes, fato que Hazel trata de deixar bem claro lembrando que a morte é um destino e não um possível desfecho para sua doença, os dois são adolescentes e enfrentam todos os percalços da vida de um adolescente. A mãe de Hazel quer a todo custo que sua filha supere uma possível depressão conhecendo pessoas com os mesmos problemas que os seus em um grupo de apoio. Gus lida de maneira mais independente com seus problemas usando um cigarro dependurado na boca assegurando de maneira metafórica o controle sobre a sua vida: o cigarro tem o poder de te matar mas não o faz se não for aceso.

Não quero tratar do filme em seus aspectos ténicos, fazer uma resenha crítica ou bancar o conhecedor de cinema pois não o sou. Quero, a partir de agora, depois de uma ideia geral do que trata a história, explorar o caminho que John escolheu para tratar do sentimento de perda a partir da convivência com a morte iminente, do amor e das inúmeras sensações que ele é capaz de propiciar.

O namoro de Hazel e Gus é moroso. Demora a se desenrolar. Não é aquela explosão de sentimentos que engole o casal que de repente se vê no facebook “namorando” com os likes subindo sem parar, as mensagens no whatsapp bombando ou sei lá mais o que acontece quando se namora. Eles se apaixonam com o tempo, de maneira leve. Se conhecem, se encantam com a possibilidade de ter encontrado alguém pelo qual “seria um privilégio ter o coração partido” como Gus define sua amada e, mesmo com o peso de ser uma “granada que a qualquer momento pode explodir” como diz Hazel, finalmente se deixam levar.

Esse ritmo mais lento, menos explosivo e mais real que John atribui ao amor traz certa maturidade ao sentimento e à história, acabando com qualquer possibilidade de “romance pra menininha”. Tendo isso estabelecido, a narrativa conduz a alguns questionamentos levantados pelas personagens e moídos por nós que vamos percorrendo a história com os olhos.

O sentimento de perda não é uma constante em um relacionamento, afinal a morte ou o fim de um namoro parecem sempre tão distantes que não nos damos o trabalho de sofrer por antecipação. Em A Culpa é das Estrelas essa realidade é subvertida, afinal a qualquer momento o namoro pode acabar pela morte de algum deles. E eles lidam com isso da melhor maneira possível.

Cada momento deles é único, cada palavra trocada tem uma importância distinta e cada uma das sensações é única (aqui vale ressaltar uma característica da obra, tanto a escrita quanto a película: os momentos do enredo são bem separados, detalhados e vividos na história de maneira suave e contribuem para o estabelecimento desse ritmo suave no amor). O amor deles é essencialmente companheiro, compartilham entre si a oportunidade de ter alguém com quem falar sobre o mundo e sobre suas próprias aflições. O amor é vivido por Hazel e Gus em sua plenitude de sensações, suave e fluído como deve ser.

O depois não existe para Hazel e Gus, mas nem por isso a vida é tratada com caráter imediatista. Ter consciência de que tudo é finito, de que o fim é simplesmente parte da jornada, dá um caráter maduro interessante ao amor e acaba conduzindo o amante a aproveitar o sentimento em sua plenitude (e finitude). Perde-se muito das sensações e dos momentos por se ter convicção de que o fim está sempre distante, quando na verdade essa certeza fajuta é uma prova da insegurança e do medo que a possibilidade de fim traz.

Esconder-se dos momentos em que deixamos para trás alguns capítulos da vida, tentando se enganar, deturpa a qualidade principal do amor: ele deve ser sentido em todos os seus estágios, deve ser degustado como um champanhe e deixar-se sentir o gosto das estrelas que explodem no céu da boca. O amor é uma fonte que deve ser tratada com um bem não renovável, assim como a água. Cada gole de amor deve ser saboreado e vivido, degustado e sentido.

A certeza de que se estará sempre na companhia de quem se ama é enganosa. Não traz segurança, não estimula o convívio e acaba ainda colocando as relações em stand-by, deixando tudo sempre para o depois mesmo sem saber se ele virá.

Depois, na verdade, é sempre tarde demais. O que foi feito para ser vivido tem que sê-lo agora. Alguns infinitos são maiores do que outros e a sua grandeza depende de como ele é aproveitado. As coisas são infinitas não só enquanto duram, talvez as coisas sejam infinitas na mesma medida de tempo em que podem ser sentidas.

Nossa festa

        O carnaval é a festa popular mais conhecida do Brasil. Sua importância transpassa os limites turísticos e econômicos atingindo em cheio a realidade que é destruída na e pela desordem carnavalesca: é a cultura do país que invade as ruas, com seus preconceitos e lutas.
             A festa é pautada essencialmente na desordem. Homens vestem-se de mulher, a alta burguesia das cidades larga os trajes engravatados no armário e peregrina pelas ruas usando chinelos e fantasias, a parcela marginalizada – e cativa da opressão – traveste-se de nobreza e o cinza cotidiano é transformado em um mar colorido de encher os olhos de qualquer gringo que passe por aqui entre fevereiro e março.
            É evidente que a desordem planejada pretende esconder e driblar a sofrível, e tão famosa quanto a festa, realidade brasileira utilizando-se de artifícios efemeramente divertidos. Altera-se o grau de consciência e assim o fardo da vida é algo suportável. Não se pode analisar a festa de maneira coerente sem ter clareza de seu propósito supracitado.
            Diz-se que é necessário enlouquecer por alguns momentos para que se possa viver de maneira sã a maior parte dos dias. Nada mais natural do que uma festa como o carnaval, nada mais adequado que o carnaval. Talvez nada seja melhor ou mais brasileiro do que essa festa, principalmente aos olhos dos que vivem oprimidos por uma realidade machista, racista, homofóbica e ditadora.
            Esconder-se em personagens, fingir ser parte de outra realidade, abrir mão de ser real, esquecer de si mesmo e festejar a oportunidade de fazer isso tudo. O brasileiro faz isso sempre. 365 dias ao ano. A diferença é que geralmente o faz para sobreviver, durante o carnaval é só diversão, mas acaba configurando também um brado revoltoso.

              Esse é o carnaval e não se deve exigi-lo mais que isso. 

Homens bolha

            Passa-se boa parte da vida tentando a manutenção de uma realidade paralela. O que é quase aceitável, afinal a realidade é geralmente assustadora e desafiadora o suficiente para que muitos se escondam. O problema reside no fato de que, ao esconder a realidade, perde-se noção de que a fantasia é pura e simplesmente irreal e que a realidade é praticamente imutável sob o julgo da nossa falta de tesão em viver.
            O medo de ter que encarar a vida é mais facilmente percebido nos momentos de mudança. Até porque a rotina - da realidade - às vezes cria uma microfantasia, um exemplo disso é a bolha da vida na escola, faculdade ou emprego. Alternamos entre bolhas a vida toda. Logo saí da bolha do Ensino Fundamental e me senti livre. Saí da bolha do Ensino Médio e mais uma vez me encontrava livre. Na faculdade a mesma coisa. De repente acabo me aprisionando no sentimento de liberdade trazido pela falta dela.
            Sem mais nem menos encontramo-nos perdidos. Não por falta de anseios, sonhos, desejos, projetos... Mas simplesmente por acharmos sempre que todos eles são infactíveis. A impossibilidade de tudo acaba nos afastando de realizar nossa própria realidade enquanto, na verdade, as possibilidades são tantas que nos seria possível escrever a mesma história de infinitas maneiras, com infinitas pessoas e em infinitos lugares – acredito que assim que a vida ocorra fora do mundo preto e branco no qual nos abrigamos.  
O medo é a maior prisão que carregamos. Medo de simplesmente ser, de fazer, de lutar, de rir, de dançar, de emagrecer, ou de simplesmente não se importar com os padrões, de ser autêntico, de se vestir com moletom o tempo todo, de andar por aí com um poncho sobre os ombros porque assim o mundo parece um pouco mais afastado, dando mais espaço para que se possa respirar.
Há ainda o medo de se esforçar para realizar objetivos, por mais necessário que o esforço seja. Eu tenho esse medo. Acredito que esse receio possa ser atribuído à sociedade das aparências, essa coisa de que “ter” é mais importante do que “ser” e “parecer” é muito mais atrativo do que realmente mostrar o que se é. Acho que já tive medo de seguir em frente com alguns projetos por imaginar que a imagem que fariam de mim seria indesejável (top 5 na lista dos pensamentos idiotas).
            Ao deixar sonhos de lado, seja por preguiça, medo, idiotice, ou tudo isso junto, acabamos mudando o que somos ou essencialmente seríamos. Na maioria das vezes nós somos os nossos próprios destruidores de sonhos. Nossos próprios limites são maiores do que as impossibilidades do mundo que, muito pelo contrário, nos abre milhares de portas todos os dias.     
            Falta ousadia de levantar mais cedo, ou mais tarde, caminhar, ou ler, ou escrever, ou ouvir músicas novas, conhecer pessoas novas, ou dormir mais. Há medo demais do desconhecido, mas o desconhecido é, mais do que importante, fundamental para que não nos limitemos às bolhas que a rotina nos impõe. Quebre a bolha e faça da Terra a realidade e não as quatro paredes do seu quarto.
            Quebrando a rotina das nossas fantasias é natural que se perceba que a realidade é, além de assustadora como afirmei lá no primeiro parágrafo, atraente, incitante, colorida, repleta de aromas e sensações que sem dúvida trazem novo ânimo. Acordar e perceber que há uma infinidade de possibilidades é razão suficiente para que se corra atrás dos sonhos. Aceitar que a segurança trazida pelo quarto e a insegurança de ser tão pequeno frente à realidade são sentimentos paradoxais e que tem seus efeitos “paradoxados”. A segurança do quarto não estimula e a insegurança da realidade instiga. Os sonhos começam no quarto e podem morrer nele também, só tornam-se realidade quando as quatro paredes são superadas e assim não há mais um ambiente controlado.

             Buscamos prever o imprevisível e controlar o incontrolável quando, na verdade, a incerteza do passo seguinte é o que nos faz querer seguir.